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MEMÓRIAS DE UM LOBO MAU
Confesso que sou um Lobo Mau. Pior do que isso. Sou um Lobo Péssimo! Um lobo capaz de deitar o dente e a garra a galinhas, rebanhos inteiros de ovelhas, meninas pequenas ou crescidas, com capuchinhos vermelhos e de todas as cores, e até sou capaz de engolir uma, duas, três avozinhas das mais duras de roer que se possa imaginar. Sou capaz de fazer coisas ainda piores e mais assustadoras, que, neste momento, prefiro não relembrar.
A verdade, no entanto, é que não sou
propriamente real, de carne e osso. Sou uma espécie de ilusão. Uma personagem
das histórias. E nem sequer sou tão mau como gostava de ser. Mas a culpa não é
minha, é do escritor que me deu cabo da reputação. Desde pequenino que quero
ser mau. Mesmo muito mau. Queria ser uma fera das mais assustadoras e malvadas
de toda a criação.
Às vezes até sonhava que era um
tigre-de-bengala, companheiro de piratas horríveis, e, quando abria a boca
cheia de dentes pontiagudos e lançava um tremendo rugido, «Uááááááá….!», toda a
selva tremia!
— Um tigre, tu?! Deixa-me rir! — disse o meu
pai, sem nenhum respeito pelos meus sonhos. — Para chegar a tigre, tinhas de
comer muitos bifes!
E eu comi muitos bifes, enchi a barriga de
bifes, mas nunca cheguei a tigre.
— Deixa-te de sonhos! — repetia ele, vezes sem
conta. — És um lobo mau e pronto! Deixa-te de sonhos e pensa mas é no teu
futuro.
O meu futuro não demorou muito a chegar.
Passados alguns dias, o velhote disse-me que eu já estava crescido e tinha
muito boa idade para ganhar a vida. Pegou-me pela pata e levou-me a casa de um
escritor.
O meu azar foi calhar num escritor que andava
com uma crise de inspiração. Há muito que não lhe vinha uma ideiazinha
verdadeiramente interessante e divertida para escrever um livro. A escrita
estava a ficar desengonçada e sem genica, os verbos mal conjugados, os
adjetivos vulgares e repetidos, um aborrecimento para quem lia as suas
histórias empenadas. Ainda por cima, descobri com ele que os escritores em
geral não têm respeito nenhum pelos lobos! Atribuem-nos sempre o papel do pateta
alegre que se deixa enganar por toda a gente. Somos como o bombo da festa! Uma
vergonha, garanto-vos eu!
O meu escritor era um homem já velho, alto e
magro, com uns lábios fininhos como lâminas e os óculos na ponta do nariz.
Olhou-me demoradamente, de alto a baixo, com uma expressão desconfiada.
— É magrito, o bicho… — resmungou. (O bicho era
eu! Que falta de respeito!) — Vamos lá ver se ele se ajeita! — acrescentou,
desdenhoso.
E não esperou por mais nada. Deitou-me a mão ao
pescoço e zumba, meteu-me logo a trabalhar no livro que estava a escrever nesse
momento e que, devo dizer-vos, era uma trapalhada sem pés nem cabeça […].
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